"Sempre me agradaram as coisinhas do chão, as coisas pertencidas de abandono. É um olhar para o menor, para o insignificante que eu me criei tendo. Ainda não aprendi por que herdei esse olhar para baixo. Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas."
Manoel de Barros, autor dos versos que recortei e colei acima, foi quem me explicou esta minha série de fotos. Ela começou a ser feita em 1996 mas só ganhou título e edição final em 1999, quando li, impactadíssima, seu livro Retrato do artista quando coisa.
Já no título Manoel esclareceu que todas essas fotos eram autorretratos, não apenas as que mostram meus pés, mãos ou sombra, mas também, e talvez principalmente, as que fazem o olhar bater contra paredes, portas e janelas fechadas, contra superfícies danificadas e coisas maltratadas pelo tempo.
Na época eu estava lidando com dois processos de luto; a ideia de morte está bastante presente nas imagens. Mas através dessas fotos eu lidava com isso de um jeito particular, um jeito de procurar nas imagens uma brecha para as "ancestralidades machucadas" sobre as quais eu tinha pouca informação.
De certa forma este trabalho foi feito sob duas perspectivas, de uma criança que acredita que pode voltar no tempo e de um adulto que retrata essa impossibilidade com metáforas: superfícies planas ou fechadas, que insinuam brechas mas não oferecem um caminho para acessar suas outras camadas.