o lado oculto
1990

sobre

Todos os meus mortos estavam de pé, em círculo
eu no centro.
Nenhum tinha rosto. Eram reconhecíveis
pela expressão corporal e pelo que diziam
no silêncio de suas roupas além da moda
e de tecidos; roupas não anunciadas
nem vendidas.
Nenhum tinha rosto. O que diziam
escusava resposta,
ficava, parado, suspenso no salão, objeto
denso, tranquilo.
Notei um lugar vazio na roda.
Lentamente fui ocupá-lo.
Surgiram todos os rostos, iluminados.

(Carlos Drummond de Andrade)

Foto vertical em preto e branco com o reflexo de uma pessoa num vidro espelhado. É uma silhueta preta, cortada no alto da cabeça e na ponta dos pés pelas margens da foto. Está com os braços recolhidos junto ao corpo e as pernas ligeiramente afastadas. Vê-se uma calçada atrás dela, até a altura dos braços, com desenhos simétricos de ondas e círculos. Acima há um estacionamento asfaltado, alguns carros, parte de um prédio e árvores ao longe. O brilho do sol se reflete no asfalto, clareando a área atrás da pessoa. Na metade de baixo da foto há um desenho intrigante sobre a calçada, curvo e distorcido; parece ser a sombra da pessoa sobre o vidro espelhado.
Foto vertical de parte do corpo de uma jovem e de seu reflexo no chão molhado. Ela está escura, na contraluz, e aparece só da cintura para baixo. Está descalça, com os braços junto ao corpo; segura um par de tênis na mão e usa short branco e blusa preta. O fundo está branco na parte de cima, e os tons vão escurecendo em direção à margem inferior. Há uma linha atravessando a foto em diagonal, do canto esquerdo ao direito. Ela delimita o asfalto e um piso liso, onde aparece o reflexo da jovem, de cabeça para baixo. Todo o chão está molhado e vê-se pequenos círculos onde as gotas de chuva tocam o asfalto.
Foto horizontal de uma mulher de pé, de perfil, encostada a um banco de metal. Ela aparece só da cintura para baixo; usa saia e blusa brancas, uma grande bolsa escura e sapatilhas escuras. Grande parte do piso está coberta por poças d'água compridas. Abaixo da mulher vê-se parte de seu reflexo na água. O banco é longo e há outro igual ao longe, do qual se vê apenas as pernas. Há também as pernas de um andaime sobre grandes rodízios, em frente ao banco. A foto é escura, exceto pela saia da mulher, o assento do banco e algumas poças d'água no chão; a luz que bate nesses elementos alinha-os numa faixa diagonal clara.
Foto horizontal de um homem numa rodoviária. Ele está a meia distância, à esquerda, cortado na altura dos ombros pela margem de cima. Vê-se dois ônibus estacionados mais adiante, à direita, cortados acima das rodas. O homem está numa pose tranquila, de pé, com as mãos no bolso, parado, virado para a direção dos ônibus. Numa poça d'água abaixo dele aparece o seu reflexo por inteiro. Todo o piso está molhado. O homem está na contraluz, bem escuro, com a silhueta recortada pela luz que entra do lado esquerdo.
Foto horizontal de uma criança de cerca de cinco anos. Ela está embaixo de um filete de água que cai sobre sua cabeça e se espalha para os lados. Só a sua silhueta é visível, preta na contraluz. Ele está do lado direito da foto, virado para a câmera em meio perfil. A água cai sobre uma área redonda delimitada por uma borda de concreto, cortada embaixo e à direita. A foto é escura; o chão é de asfalto e há uma parte molhada no lado esquerdo, refletindo a luz que vem de cima. Sobre essa parte molhada, branca, há um velotrol em silheta e seu reflexo na água.
Foto horizontal da sombra de uma criança pequena sobre uma superfície metálica, inclinada em 45 graus. A criança é magrela e está de short e camiseta, subindo pela superfície metálica, apoiando-se nos pés e nas mãos. Sua imagem está cortada no alto das costas e na maior parte da cabeça. A sombra está inteira, bem definida e bem maior que a criança. Um excesso de luz invade a margem esquerda e a parte de baixo da foto, deixando essas áreas totalmente brancas.
Foto horizontal de uma criança pequena dentro de um pula-pula inflável, vista de fora. A parede de plástico transparente do pula-pula deixa toda a imagem desfocada, cheia de borrões. A menina aparece dos pés para cima; tem a cabeça virada para cima, um dos braços à frente do corpo e o outro atrás, dobrado para cima em ângulo reto. Está no meio de um pulo, com a perna da frente levantada no mesmo ângulo ângulo do braço.
Foto horizontal mostrando os pés de um homem que anda em direção à câmera, no canto de cima, à direita. A sombra de todo o seu corpo se alonga à sua frente. Há uma escadaria em L fazendo uma linha diagonal que atravessa a foto de alto a baixo, da esquerda para a direita. Acima dessa diagonal o chão está claro, quase branco; abaixo, está quase preto por causa da sombra dos degraus. Na imagem vê-se apenas seis degraus da escada, a larga calçada de cimento e a sombra do homem.
Foto horizontal com fundo todo branco, atravessado por sete fios pretos em diagonal. Os fios se distanciam para a esquerda, em perspectiva. No primeiro, junto à margem direita, há um rapaz pendurado pelas mãos e pernas, de calça, sem camisa, a meia distância. É quase uma silhueta, iluminada pela luz que vem de cima. Seu corpo está estendido numa pose graciosa, com as pernas cruzadas, os braços esticados e o pescoço arqueado para trás. O rosto está voltado para a câmera, de cabeça para baixo, e ele sorri. (Esta é a última foto da série.)